A HISTÓRIA

O processo longo e atribulado da construção da igreja de Santa Engrácia deu origem à expressão popular “Obras de Santa Engrácia” para designar qualquer obra sem conclusão à vista.

Séc. XVI – XVIII – da primitiva paróquia …

Em meados do século XVI a Infanta D. Maria, filha de D. Manuel I, solicita ao Papa a criação de uma nova freguesia, fora dos muros da cidade, na zona do campo de Santa Clara, onde a Infanta tinha residência. A criação da nova freguesia de Santa Engrácia é autorizada em 1568, por Breve de Pio V, por desanexação da paróquia de Santo Estevão.


As obras para a construção da igreja de Santa Engrácia, sede da nova paróquia, ter-se-ão iniciado poucos anos depois, talvez em 1570. Sabe-se que quando a Infanta D. Maria morre, em 1577, a construção não estava concluída. Em 1606 Nicolau de Frias é encarregue da obra da igreja, sucedendo-lhe o seu filho, Teodósio de Frias, em 1621.


Em 1630 a capela-mor da igreja é profanada, tendo sido roubadas as hóstias consagradas, guardadas no sacrário – acontecimento que ficou conhecido como o Desacato. Simão Pires de Solis, cristão-novo que fora visto na zona durante a noite, foi acusado do crime e condenado à morte na fogueira. Executado em 1631, na hora da morte, Simão Solis terá jurado a sua inocência: tão certa quanto as obras desta igreja (de Santa Engrácia) nunca terminarem.


Na sequência do Desacato, crime que marca a sociedade da época, é criada a Irmandade dos Escravos do Santíssimo Sacramento, constituída por 100 nobres empenhados no Desagravo – reparação da heresia cometida. Umas das formas de Desagravo é a construção de uma nova capela-mor, substituindo o espaço profanado. Esta obra, a cargo do arquiteto Mateus do Couto (sobrinho), inicia-se em 1632.


Estimulando a maldição de Simão Solis esta capela – mor viria a ruir em 1681, na sequência de um forte temporal que se abateu sobre Lisboa, arrastando parte das paredes da Igreja. Os danos são considerados irreparáveis e a Irmandade decide-se pela construção, de raiz, de um novo templo. Ainda no mesmo ano é escolhido o projeto do mestre João Antunes, iniciando-se as obras a 31 de agosto de 1682 com o lançamento da primeira pedra com a presença do príncipe regente D. Pedro (futuro rei D. Pedro II).

A primitiva igreja, segundo as parcas descrições que nos chegaram, tinha uma só nave com a porta principal virada a poente. No interior, cinco altares: na capela-mor, o Santíssimo e as imagens de Santa Engrácia e de São Lupércio (primo de Engrácia e um dos 18 cavaleiros também martirizados). Nos restantes altares destacavam-se as imagens de Santa Isabel, São Gonçalo, São Fructuoso, entre outros santos “portugueses”, segundo a vontade da Infanta D. Maria.

… à igreja barroca

O projeto de João Antunes rompe com a tradição das plantas habituais, assentando numa planta centralizada, em cruz grega, onde os quatro braços, de igual dimensão, eram unidos exteriormente por paredes ondulantes, marcadas nos ângulos por torreões, cuja escala, ritmo e proporção lhe conferia filiação italiana, estranha à arquitetura nacional.


À data da morte de João Antunes, em 1712, a igreja não estava ainda terminada, faltando-lhe a cobertura e os acabamentos interiores. Sob a proposta de P. A. du Verger em 1713 são acrescentados quatro contrafortes para reforçar a fachada principal. A obra avança, lentamente, agora sob a direção do arquiteto Manuel do Couto. D. João V pensa em ampliar a igreja por a considerar muito pequena, mas este projeto não avança.


A igreja de Santa Engrácia, que estaria construída até o nível da cimalha real, resiste ao terramoto de 1755. Dois anos depois a Irmandade decide mandar construir uma cobertura em madeira para fechar o topo da igreja. Entre 1767 (ano em que Paulo de Carvalho e Mendonça, irmão do Marquês de Pombal é nomeado inspetor das obras de Santa Engrácia) e 1770 assiste-se a uma nova fase de trabalhos, mas a igreja permanece incompleta continuando por acabar a construção da cúpula central.

Ocupação Militar e Espaço de Culto Nacional

Em 1819 e 1825 são efetuados levantamentos do estado da construção com a intenção de concluir o edifício. Desta época (1831) datam, também, duas soluções propostas para o acabamento da igreja, que nunca serão colocadas em prática.
Em 1834, após a extinção das ordens religiosas, a igreja inacabada foi cedida ao Ministério de Guerra, que o cede à Direcção-Geral de Artilharia a qual, após a construção de uma cobertura em chapa de ferro e vidro, vai utilizar o edifício como depósito de sucata e artigos de fundição necessários às oficinas militares localizadas nas proximidades.


Sabe-se que a Irmandade dos Escravos do Santíssimo Sacramento se continuava a reunir, tomando algumas decisões sobre as obras e organizando as festas do Desagravo. A paróquia, que desde 1681 se encontrava sediada na ermida de Nossa Senhora dos Paraíso é transferida a 5 de abril de 1835 para a igreja de Nossa Senhora da Conceição da Porciúncula, dos Missionários Barbadinhos Italianos.


Paralelamente às vicissitudes do edifício, a constituição de um Panteão Nacional em Portugal é defendida por Passos Manuel e Almeida Garrett e estabelecida por decreto em 1836. Apesar de divergências em relação ao modelo de panteão, em 1837 começa-se a considerar a possibilidade de adaptar a inacabada igreja de Santa Engrácia a Panteão Nacional, ideia defendida publicamente em 1896 por Ramalho Ortigão. O arquiteto Ventura Terra, então presidente do Conselho Superior dos Monumentos Nacionais, apresenta uma proposta de conclusão do monumento em 1906. Apesar da progressiva degradação da construção, e de ser utilizada como depósito de materiais, em 1910 a Igreja de Santa Engrácia é classificada como Monumento Nacional.


Apesar da importante classificação, a 15 de junho de 1910 grande parte do edifício é entregue ao Depósito Central de Fardamento, começando a funcionar como fábrica de calçado militar. Pela lei de 26 de abril de 1916 a Igreja de Santa Engrácia é consagrada à adaptação para Panteão Nacional, mas a ocupação militar irá perdurar até maio de 1954, data em que passa para a dependência do Ministério das Finanças.


Em 1934 é criada uma Comissão com o objectivo de concluir o monumento, adaptando-o a Panteão Nacional. Contudo, as dúvidas levantadas acerca do projeto e do conceito de panteão nacional arrastam o processo, o que não impede de serem apresentadas novas propostas de conclusão da igreja, como os projetos de Bernardino Coelho (1936) e de António e Ruy do Couto (1939) que, neste caso, contemplava a construção de uma cripta, à semelhança do Panteão francês.


As dúvidas conceptuais (acabamento ou restauro) acerca da conclusão do edifício persistem pelo que as propostas apresentadas em 1953 por Luís Benavente, então diretor do Serviço de Monumentos da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, acabam, também, por ser indeferidas.


Em 1956 é efectuada uma nova tentativa de concluir o edifício – o ministro das Obras Públicas, Arantes e Oliveira, lança um convite à apresentação de propostas. São apresentados sete projetos, dos quais foi escolhida a proposta de Luis Amoroso Lopes, arquiteto da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.

Obras de conclusão da Igreja de Santa Engrácia – década de 60 do Século XX

Em 1960 arrancam, finalmente, as obras de conclusão da Igreja de Santa Engrácia. O tempo estimado, de execução da obra, seria de 10 anos, iniciando-se os necessários estudos de estabilidade e resistência. Apesar de algumas indefinições técnicas e artísticas, que interferem no ritmo dos trabalhos, estes avançam sob a direção de João Vaz Martins.


Foi criado um estaleiro de obras com operários especializados, designadamente canteiros. As maquetes utilizadas para moldes, mas, também para o estudo dos projetos de execução ficam a cargo de João Laertes. Os estudos no interior, como o desenho dos cenotáfios, da responsabilidade de Gonçalo Lyster Franco permitem, ainda, a recuperação e integração de um órgão do séc. XVIII proveniente da Sé de Lisboa.


A Comissão Consultiva para a Instalação do Panteão Nacional em Santa Engrácia determina a colocação de seis cenotáfios, três em cada topo dos braços do transepto, para homenagear grandes vultos da nação. Para as salas tumulares determinou-se a trasladação de seis personalidades sepultadas na antiga Sala do Capítulo do Mosteiro dos Jerónimos, monumento que até então funcionava como panteão.


Acompanhando a simplicidade do projeto o programa escultório, que ocupará os nichos vazios existentes no monumento, é entregue a António Duarte (estátuas da fachada principal) e a Leopoldo de Almeida (estátuas interiores). São executadas estátuas de santos portugueses, cumprindo a intenção atribuída à Infanta D. Maria de celebrar santos de origem nacional.
Na capela-mor foi colocado um órgão do século XVIII, reutilizando uma peça barroca, proveniente da Sé de Lisboa, de valor histórico e artístico resgatada ao abandono.


Na zona envolvente ao monumento foi executado um grande projeto de arranjo urbanístico, da responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa. O plano, da autoria de Carlos Chambers Ramos previu o desaterro e desafogo do edifício, e da sua monumentalização com a construção de uma escadaria fronteira de acesso.


Os trabalhos de conclusão do monumento, inicialmente previsto para serem concluídos em finais da década de 1960, foram acelerados para coincidir com o aniversário dos 40 anos da revolução – as obras de Santa Engrácia terminavam a 7 de dezembro de 1966.


Finalizava, assim, um longo e atribulado processo que deu origem à expressão popular “Obras de Santa Engrácia” para designar qualquer obra sem conclusão à vista.

Homenageados

À Comissão Consultiva para as obras de Santa Engrácia, constituída em finais de 1965, sob a presidência do historiador Damião Peres, coube decidir quais os vultos nacionais homenageados no novo Panteão Nacional.


Determinou-se a colocação de cenotáfios (memorial apenas evocativo sem a presença física dos restos mortais) na Nave Central (ocupando os nichos das capelas laterais) homenageando Luís de Camões, Vasco da Gama, D. Nuno Álvares Pereira, Afonso de Albuquerque, Pedro Álvares Cabral e o Infante D. Henrique.


Nas salas tumulares, situadas nos ângulos do edifício, foram transferidas as personalidades sepultadas sala do Capítulo do Mosteiro dos Jerónimos: os antigos presidentes da República, Teófilo Braga, Sidónio Pais e Óscar Carmona, e os escritores Almeida Garrett, João de Deus e Guerra Junqueiro.


Entretanto, desde a sua inauguração, o Panteão Nacional recebeu os restos mortais do General Humberto Delgado (1990), da artista Amália Rodrigues (2001), do primeiro presidente da República, Manuel de Arriaga, (2004), do escritor Aquilino Ribeiro (2007), da escritora Sophia de Mello Breyner Andresen (2014), do futebolista Eusébio da Silva Ferreira (2015) e do escritor Eça de Queiroz (2025).


Em 2021, com a homenagem ao diplomata Aristides de Sousa Mendes inaugurou-se o modelo de homenagem sob a forma de placa evocativa.